Dia da Consciência Negra e Saúde Mental
- Jesse Cardoso
- 29 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 21 de mar.

O dia da consciência negra surge em celebração à vida de Zumbi dos Palmares, um dos líderes do maior quilombo que já teve no nosso território e que durou cerca de 100 anos. A sua comemoração se dá no dia 20 de novembro para celebrar o legado desse grande líder quilombola, data em que Zumbi deixa a vida para se eternizar na memória viva que inspira gerações na luta antirracista. No ano passado, pela primeira vez, essa data comemorativa e combativa se tornou um feriado nacional. Ela ganhar essa notoriedade é uma forma de legitimar movimentos que pedem uma sociedade sem hierarquias raciais, onde todas as vidas importam. Assim como é um momento em que as contribuições afro-brasileiras ganham espaço de glorificação através de diversas festividades. O 20 de novembro ser um feriado nacional já era uma luta antiga de movimentos sociais negros, principalmente com Abdias Nascimento e Lélia Gonzalez. Então, vivemos um marco de mais um reconhecimento público da força e beleza das contribuições afro-brasileiras nas culturas que constituem o nosso comum no Brasil. Assim como é um momento para lembrar o quanto a colonização violentou diversas populações de origem africana, desde violências físicas até violências materiais e simbólicas. A herança colonial e escravocrata deixa marcas até hoje na nossa sociedade, é o passado que se repete como puro gozo mortífero.
Freud traz que para tratarmos nossos traumas particulares é importante passar por um momento de lembrar do que ocorreu no passado, para entender o que se repete no presente e elaborar novos caminhos para o futuro. Quando se trata da sociedade brasileira há muitas repetições desse passado horrível e assustador em que a norma, a lei, o hegemônico era pautado num sistema escravocrata. Quando esse sistema caiu, continuou o racismo com as suas repetições de crueldade. Na psicanálise se diz que quando ocorrem essas repetições está ocorrendo um acting out, termo que designa quando um sujeito age de forma inconsciente algo que não está sendo possível acessar conscientemente, muito menos verbalizar. Essa impulsividade ligada à ação é uma busca de materializar uma memória ou algum evento doloroso que não foi transformado em representação. Aquilo que faz um furo na consciência é a repetição que busca um entendimento do que ocorreu. E é justamente quando a impulsividade que se repete é colocada em palavras, quando a memória dolorosa é reincorporada à consciência, quando o Eu integra mais as suas partes reprimidas (responsáveis pela atuação), que há uma mudança na forma de lidar com os conflitos internos. A dor, antes repetida em ações, transforma-se em uma narrativa enraizada na memória, resultando na diminuição do sofrimento.
Daí a importância de preservar a memória, de lembrar o que ocorreu para não repetir o passado traumático. Quando falamos da sociedade ocorre algo parecido. Existe a memória coletiva que atravessa as narrativas e histórias que se contam a respeito de um ou vários povos. Numa perspectiva decolonial e de cura social, parte da elaboração dessa memória coletiva é nomear e dizer não às violências carregadas de diversos preconceitos que ocorreram no passado e se repetem no presente. Manter viva a memória faz parte da elaboração de um futuro que comporta uma sociedade multicultural, tendo como motor da dinâmica social uma ética-política que valorize as diversas potências encarnadas numa multipli(cidade).
Indo nessa direção, foi inaugurada a estátua de Zumbi dos Palmares em Porto Alegre no último 20 de novembro. É de um significado enorme termos no centro da cidade uma estátua de Zumbi, visto que foi daqui que surgiu a ideia de celebrar o dia da consciência negra. Dessa forma, ao pluralizarmos as referências tornamos mais abrangentes as possibilidades de identificações com elas. O Brasil é plural e as referências também precisam ser plurais. Estamos no caminho certo.

Jesse Rodriguez Cardoso é psicólogo clínico, mestre em Psicologia Social e Institucional (UFRGS), atende presencialmente em Porto Alegre e de forma on-line a brasileiros do mundo todo. CRP 07/33956.
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